A obesidade infantil já atinge 155 milhões de crianças na pré-puberdade.
A obesidade infantil já atinge 155 milhões de crianças na pré-puberdade, aos 12 anos de idade, de acordo com a “International Obesity Task Force” (IOTF), entidade que estuda meios de combater o problema no mundo. No Brasil, o número de crianças e adolescentes com sobrepeso chega a ultrapassar 20% em várias cidades – o percentual varia de acordo com a região e os hábitos alimentares. O assunto foi destaque no 12o Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, realizado em São Paulo na segunda quinzena de agosto de 2007.
A prevalência da obesidade na infância e na adolescência aumentou de 4,1% para 13,9%, nas últimas duas décadas, segundo dados da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Um salto só comparável aos números exibidos pelos norte-americanos. Lá, a prevalência de obesidade, na faixa etária de 6 a 11 anos, mais que dobrou – foi de 7%, em 1980, para 18,8%, em 2004 -, e, entre adolescentes, a prevalência da obesidade mais que triplicou, de 5% para 17,1%. Uma pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), realizada entre adultos de todas as regiões do País, mostrou que 66% dos jovens entre 18 e 25 anos estão acima do peso, o que indica uma tendência de consolidação do problema.
O maior estudo sobre a incidência de obesidade na infância em localidade brasileira foi realizado no segundo semestre de 2002, na cidade de Santos, no estado de São Paulo, por iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde, em conjunto com a Universidade São Marcos e o Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os pesquisadores utilizaram métodos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e avaliaram o índice de massa corporal (IMC) e outras medidas, de acordo com a faixa etária e o padrão de crescimento. O levantamento em 10 mil crianças, de 7 a 10 anos, apontou 33,71% delas com sobrepeso, das quais 17,97% tinham excesso suficiente para ser classificadas como obesas.
Na década anterior, um levantamento realizado nas regiões Sudeste e Nordeste encontrou índices de até 17% de obesidade na mesma faixa etária detectada em Santos. Os resultados foram piores na rede particular de ensino, cuja prevalência de sobrepeso alcançou 19,94% dos alunos, com a obesidade afetando 25% desse total. Na rede pública, os percentuais foram, respectivamente, 14,28% e 15,5%. A iniciativa de Santos, até agora isolada, teve por objetivo mapear o problema para intervenções profiláticas e educativas. Inexiste uma política nacional em torno dessa questão.
Doenças à espreita
O excesso de peso representa risco para doenças como diabetes mellitus tipo 2. Hipertensão e doenças cardiovasculares também podem se instalar quando há excesso de gordura circulante ou acumulada nos tecidos, levando ao desenvolvimento de doenças metabólicas nos jovens típicas de adultos. “A obesidade faz com que esses pacientes apresentem muito precocemente várias comorbidades associadas, de distúrbios metabólicos a dislipidemias e hipertensão, que é um indício de problemas cardiovasculares”, diz o endocrinologista e nutrólogo Dr. João César Castro Soares, da Unifesp.
Dependendo do volume de quilos extras, podem ocorrer vários outros agravos à saúde. É comum, por exemplo, a criança obesa apresentar apnéia enquanto dorme, relata o pediatra Dr. Nataniel Viuniski, no livro Obesidade infantil – Guia prático, em 2a edição. O Dr. Viuniski detalha o grau de compromentimento, lembrando de problemas como os pés planos e as alterações nas curvaturas dos joelhos, pernas e tornozelos, provocados pelo excesso de peso. Desvios na coluna são freqüentes. Problemas articulares e ortopédicos, além dos circulatórios e metabólicos, decorrentes do acúmulo de peso, podem comprometer o desenvolvimento da criança e acompanhá-la por toda a vida, se não forem corrigidos a tempo. Um estudo publicado no New England Journal, na primeira semana de dezembro, com base em dados como o IMC e outros exames fisiométricos efetuados entre 1955 e 1960, pelo governo da Dinamarca, em mais de 276.835 estudantes, documenta a associação entre risco aumentado para doenças cardiovasculares na vida adulta e obesidade entre 7 e 13 anos. Quanto maiores o peso e a idade, maior o risco de doença cardiovascular (DCV) na maturidade.
O documento “Sobrepeso e Obesidade: Conseqüências para a Saúde”, do Department of Health & Human Services (Estados Unidos), alerta para a coexistência precoce, dessas crianças, com fatores de risco para doenças cardíacas, tais como o aumento do colesterol e da pressão arterial. E chama a atenção para o fato de que o diabetes tipo 2, historicamente uma doença do mundo adulto, tem cada vez mais sua incidência atrelada a faixas etárias menores em decorrência do aumento de peso. “Os adolescentes com sobrepeso têm 70% de possibilidade de se tornarem adultos obesos. Esse percentual aumenta para 80% se o pai ou a mãe estiverem com sobrepeso.”
Reserva adiposa
Os fatores externos e modificáveis, segundo a terminologia utilizada pela “Associação Americana de Obesidade”, ocupam papel principal na gênese da obesidade. Mesmo porque não existe um gene único que possa ser responsabilizado. As pesquisas mostram uma complexa interação entre mais de uma centena de genes, ao mesmo tempo que revela como a genética favorável não responde, isoladamente, pelos quilos extras. “O fator genético está presente em 20% dos casos de obesidade, que também depende de vários fatores socioeconômicos e ambientais para se desenvolver”, afirma Dr. João Castro Soares.
Células especiais para armazenar gordura (adipócitos) surgem no feto ao redor da 15a semana de gestação. Durante o primeiro ano de vida, elas não mais se multiplicam, apenas crescem e formam reservas energéticas decisivas para a fase inicial do crescimento. “À medida que a criança se desenvolve, essas reservas são consumidas até atingir seus níveis mais baixos aos 5 ou 6 anos. Meninos e meninas que chegam gordinhos a essa idade apresentarão maior probabilidade de desenvolver obesidade na adolescência e na vida adulta”, observa o pediatra e hebiatra de São Paulo, Dr. Moises Chencinski.
Como controlar
O controle da obesidade não tem uma abordagem única. O tratamento comportamental tem sido priorizado no combate à obesidade infanto-juvenil, especialmente pela restrição aos recursos clínicos nas faixas etárias menores. Um dos programas modelos no Brasil é o Projeto PAPO (Programa de Atenção ao Paciente Obeso), realizado pelo Centro de Adolescentes da Unifesp. Lá, o paciente obeso é atendido pelo clínico e encaminhado para uma avaliação sistemática com nutricionistas, psicólogos e educadores físicos que determinam um programa de atividades educacionais, nas três áreas referentes. As recomendações são individualizadas e envolvem as famílias dos pacientes.
Em artigo da revista Arquivos Brasileiros de Endocrinologia, o pediatra e nutrólogo Dr. Mauro Fisberg, também da Unifesp, é taxativo: o tratamento da obesidade na infância e na adolescência passa necessariamente por alterações gerais na dinâmica nutricional e no estilo de vida familiar e da criança. As mudanças devem incluir hábitos alimentares, tipo de vida, atividade física e envolver longa duração.
O controle multidisciplinar como base para a obtenção de resultados é um dos pontos altos do documento produzido por um Comitê de Especialistas, a convite da Academia Americana de Pediatria, e divulgado na primeira semana de dezembro passado. O texto de 126 páginas, disponível na web, compila a experiência reunida até o momento acerca de uma das epidemias mais preocupantes, mas cujos efeitos podem ser revertidos.